sábado, 16 de abril de 2022

As fadas verdes

 "Que o silêncio
Verde
Da floresta

Não saiba nunca
O silêncio
Negro
Das cinzas (...)

Que linda flor! Todos dizem
E as folhas de nervuras finas
Recortes serrados a preceito
Ficam caladas a escutar
Ninguém diz: Que lindas folhas!
E verde é o silêncio."

O mundo é poucas vezes oferecido em cada novo olhar como um lugar que se apresenta como uma festa, um sinal conhecido, afastado de toda a estranheza, cúmplice com o natural enraizamento. Educar o olhar  por algo belo, ou pela sua privação pode devolver a esse observador a necessidade de fazer da linguagem uma aprendizagem que tenha em si valores lúdicos e formativos.

Matilde Rosa araújo dispensa apresentações, mas é vidente que das suas palavras e vida se construiu uma atenção à natureza, aos animais e às pessoas. Ela própria se contruiu nesse caminho. Ela vem desse tempo distante em que a educação alimentava uma ideia de imaginação e de construção cultural de valores.


As fadas verdes é um livro de poesia muito belo. A edição antiga, da Civilização afirma-se como um objeto de grande valor ético e estético, onde meninos, aves diversos, folhas e árvores se conjugam numa voz de esperança de salvamento da natureza e no fundo do homem.  As fadas verdes é um livro livro que se dedica a cultivar a defesa da natureza, nos seus diferentes elementos, com recurso à criação poética.

Olhar para as coisas e ver nelas algo de maravilhoso, um encantamento nascido na sua essência, verificar os sons e os seus espaços, de onde nascem as fadas verdes, ou seja, o silêncio, o rosmaninho, a romã, a garça, ou o amor. O maravilhoso como lugar de aprendizagem, onde repousa a musicalidade do natural. Mais uma vez, como nos fairy tales, observar o mundo e, nos instantes do real, viver nesse tempo lento da contemplação das pequenas imperfeições. Nelas residem uma sabedoria e desfrutar. 

As Fadas Verdes / Matilde Rosa Araújo, Il. Manuela Bacelar. Porto: Civilização: 2010.

quarta-feira, 13 de abril de 2022

A canção da mudança - O hino das crianças

 

"Consigo ouvir a mudança a cantar,
A sua canção soa alto e bom som.
Não temo ver a mudança a chegar,
Junto-me a ela e entro no tom.

Aos céus grito bem alto,
Vejo bandeiras de duas cores.
No meu sonho, em sobressalto,
Vejo verdadeiros sonhadores.

Sou uma canção que se elava e ressoa / Há esperança onde a mudança soa".

Armanda Gorman ficou mais conhecida em Portugal e fora da América pelo poema que leu na tomada de posse do último presidente americano.  Ela é, na verdade, uma ativista pela defesa dos direitos humanos e das causas ambientais em algumas comunidades americanas. A canção da mudança - O hino das crianças é a sua estreia em literatura para os mais jovens, onde todo um imaginário se compromete com a possibilidade, de, em cada comunidade se realizarem mudanças significativas.

A narrativa é conduzida por uma criança que vai convidando outras crianças numa viagem musical e na possibilidade de juntas fazerem algo importante, de construírem com a junção das suas energias algo bonito, interessante, diverso. O álbum é ilustrado por Loren Long que costuma trabalhar com o New York Times, onde já ilustrou importantes trabalhos. 

As ilustrações remetem-nos para uma iconografia de esperança e de transformação. Os ideais dos direitos civis, o sonho da mudança, a recolha dos esforços individuais para uma ideia de comunidade, a partilha de emoções entre gerações, a procura por compreender o que não se entende, a procura de superar as distâncias, a criação de uma voz pela liberdade são pontos-chave do álbum. Imagem e texto juntam-se numa mensagem de grande poder transformador. O próprio álbum é um belo objeto, nos seus diferentes elementos.

A história e as ilustrações compõem um hino pela mudança, como oportunidade para um mundo melhor. A ideia de sugerir a possibilidade de incentivar a construção de uma sociedade local mais inclusiva, mais tolerante domina o álbum nessa ideia ainda tão desconhecida em tantas latitudes de criar uma ponte, um diálogo de participação conjunta. Juntando diferenças, as crianças vão compondo uma canção, um hino para derrubar muros e estabelecer diálogos. O álbum remete de um modo muito significativo para os valores essenciais da liberdade de expressão em todo o tipo de comunidades. Um álbum muito interessante para ajudar a mudar sentidos fechados.

A canção da mudança - O hino das crianças / Amanda Gorman; il. Loren Log. Lisboa: Presença, 2021.