sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Leituras

Há livros tão tristes e tão luminosos, como nós às vezes.

Há livros tão fechados ao sol e tão esperançosos de outras manhãs, como nós, às vezes.


Um livro muito bonito, um livro objecto sobre a tristeza e a alegria de abrir as janelas: O meu coração de Corinna Luyken, editado pela Fábula.

Texto de Rita Pimenta, no último Público: 
http://blogues.publico.pt/letrapequena/2020/02/16/quando-o-coracao-se-fecha/

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Lugares e gestos (II)


Lugares e gestos associados à Literatura infantil e juvenil é de certo modo a construção de uma relação entre as palavras e os lugares, ou seja diferentes sociedades em diferentes tempos e modos.

Harry Potter é um dos clássicos da literatura juvenil. Nele se juntam o antigo e o moderno. As figuras de Harry e Hermione têm em si muito do que foi a sociedade vitoriana numa saga que coloca feitos mágicos que apelam a uma outra ideia de futuro. Há em Harry Potter muito de um tempo, de espaços de uma cidade, ou de uma região. Edimburgo e a Escócia alimentaram os gestos e a imaginação de K. W. Rowling.

Victoria Street lembra-nos as lojas de Harry Potter e a Pedra Filosofal quando ele vai escolher a Nimbus para entrar na escola de magia de Hogwarts. Victoria Street é arqueada na sua fisionomia o que lembra a Diagon Alley, o chamado Beco Diagonal presente no livro. Toda a construção do imaginário se apresenta com uma semelhança muito significativa. Não é difícil encontrar livrarias misteriosas, lojas antigas e cafés de um mundo atual, com um coração no mistério. Edimburgo é um claro sítio para juntar de múltiplas formas os lugares e os gestos na Literatura, neste caso juvenil.

Imagem: Victoria Street, (old Town) – Edimburgo.


quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

George Steiner (In memoriam)


Bom, dos mestres convém sempre evocar a sua memória nesta coisa estranha chamada vida.

Era um continente de recordações, de uma herança cultural vasta e falou-nos do livro, da leitura, da linguagem como forma de construir significados. Conhecedor e utilizador de várias línguas, cultivava essa ideia de saber como uma expressão do coração, como um património interior. Professor em diversos sítios do mundo falou-nos do valor a perder-se do silêncio, do pensamento como forma de construir o real e de como a cultura se não souber ser assumidamente uma voz de coragem de nada serve. Os livros, disse-nos, vivem entre o que nos sugerem e o silêncio que soubermos romper do esquecimento, que afasta cada um de um quotidiano de dignidade. Por muito que a morte seja um sinal evidente da própria vida, fica esta impressão de continentes da memória perdidos entre a poeira dos dias. De Steiner, um excerto, de um dos seus livros, dos muitos que escreveu sobre os próprios livros e o poder da linguagem:

“A sensibilidade do escritor é livre quando é mais humana, quando tenta apreender e representar de novo a maravilhosa variedade, a complexidade e persistência da vida, através das palavras mais escrupulosas, mais pessoais, mais repletas do mistério da comunicação humana, que a linguagem lhe proporciona. O oposto exacto da liberdade é o estereótipo, e nada é menos livre, mais prisioneiro da inércia da convenção e da brutalidade vazia, do que uma sucessão de palavras obscenas. A literatura só é um diálogo vivo entre o escritor e o leitor quando o primeiro é capaz de assumir uma atitude de duplo respeito: respeito pela capacidade de imaginação do seu leitor, e, de modo complexo mas decisivo, respeito pela integridade, pela independência e pela substância vital das personagens que cria.

O respeito pelo leitor significa que o poeta ou o romancista convida a consciência do leitor a colaborar com a sua própria consciência no acto da representação. O escritor não diz tudo porque a sua obra não é uma cartilha para meninos de escola nem para deficientes mentais. Não esgota as respostas possíveis da imaginação do leitor, mas regozija-se com o facto de sermos nós a preencher, a partir dos nossos próprios recursos de memória e desejo, os contornos por ele delineados. “

George Steiner, Linguagem e Silêncio- Ensaios sobre a literatura a linguagem e o inumano. Lisboa: Gradiva, 2014

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Leituras

- Para que te serve
ser nuvem, se não
me podes levar?
- Serve para te ver.
E passar, passar.”

Eugénio de Andrade, “Aquela nuvem”, in Aquela nuvem e as outras . Porto: Campo das Letras, 2002.

É um pequeno poema. Todos os seus poemas o eram. Dizia em pequenas sílabas todo o espanto, toda a solidão, e também a alegria, a luz do verão, a água que sacia a sede. Com ele as palavras "aprendiam a amar e a morrer". Manuel António Pina dizia que na sua voz morava uma fala, isso "que não se pode dizer". Há nele, um minimalismo pelas coisas essenciais, a vida como oferta de um sagrado. Há na sua poesia a vida, como ela se apresenta larga e contraditória e a breve eternidade de uma sílaba a decorar o aroma dos lírios, ou a fragância das amoras. Será com Sophia um dos nomes mais eternos da poesia portuguesa.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

Lugares e gestos (I)


“Achou que não podia ser mais feliz quando, no decurso do seu passeio sem rumo, de súbito, se encontrou junto à margem de um rio caudaloso. (…) O Toupeira estava encantado, arrebatado, fascinado. Trotou ao longo do rio; (…) finalmente quando se sentiu cansado, sentou-se na margem e o rio continuou a conversar com ele, num cortejo tagarela das melhores histórias do mundo, vindas do coração da terra para, por fim, serem contadas ao mar insaciável”. (1)

Os lugares e os gestos. Às vezes descobrimos sítios depois de descobrirmos palavras que se moldaram nesses lugares, que nasceram para qualquer coisa que já existia, ou que se imaginava. Edimburgo é uma dessas cidades. Grande parte da história de Harry Potter, de alguns dos seus nomes, de uma boa parte do seu imaginário nasceu por aqui, na Rua do castelo de Edimburgo, dentro do Old Town, hoje materializada numa livraria que é um repositório das figuras de Harry Potter. 

Trata-se do Museum Contex que fica em Victoria Street. Na Old town nasceu outra figura literária não tão famosa, mas igualmente importante para a literatura Infantil e Juvenil. Trata-se de Kenneth Ghahame que nos deixou um livro marcante que é mais do que uma história de animais. O Vento nos salgueiros é a história de cinco animais, o Toupeira, o Rato, o Sapo, o Texugo e o Lontra que vivem na margem de um rio. História imaginada para o seu filho foi a construção de uma narrativa para o entreter em longas noites frias da Escócia. Livro que coloca os animais a pensar sobre as aventuras que podem ter no grande bosque, eles que têm uma vida tranquila na margem do rio. 

Livro de algum modo colocava em reflexão as novas ideias do início do século e como elas ameaçavam a sociedade vitoriana. O interessante nisto é que os imaginários são feitos de locais que escolhemos ou visitamos por qualquer razão e depois vemos neles as palavras, as cores e as formas que antes de tudo os livros nos deram. Os lugares e os gestos são assim formas de habitar a literatura. Lembrei-me disto não por qualquer efemeridade, mas por ser uma cidade onde vou regularmente. Uma cidade a visitar, pela literatura e pela cultura. (Tem um festival literário durante o mês de agosto).

(1) – O vento nos salgueiros / Kenneth Grahame : il. E. H. Shepard. Lisboa: Tinta da China, 2016.