Nesses dias o mundo
era uma rua. Dela viam-se os campos de pessegueiros a adornar pela encosta sul.
Os muros eram linhas de água a esconder o último lugar, de onde o rebanho de
cabras se alimentava da visão da serra.
Nesses dias, as tardes escondidas das
horas eram uma visão da encosta de pinheiros e os eternos segundos de dias
esquecidos eram preenchidos de aventuras. E quando me lembro disso vejo nesse
pedaço antigo uma memória de dias antigos e apesar de olhar ainda para essas
páginas, as cores e os espaços já lá não estão.
Desses dias orgânicos e de
minimalismo técnico, ele foi um dos heróis de tantos sonhos, desejos que
terminavam em surpresas que não se sabia explicar. Herói pela sua figura fora
do vulgar, pela troca de palavras, pelo arranjo místico de derrotar um exército
de convencidos a quererem disciplinar a terra inteira com a sua pax romana
feita de sinais e deuses esquisitos.
Herói por essa capacidade que só os livros
quase concedem, a de vencer os mais poderosos, ou os mais convencidos. Herói
por essa capacidade deslumbrante que só ele parecia conseguir. Uma aldeia de
resistentes com a pura magia de se redimirem face a um perigo maior que eles, e
sempre com a maior graça. Um herói que soube criar um espelho com uma ideia de
país. Sim, a França.
Na verdade, Astérix é esse orgulho gaulês de se impor ao
convencimento e ao poder de qualquer coisa que não seja gaulês. Astérix foi
talvez o primeiro herói a dizer-nos que desse mundo que era uma rua de flores e
pedras, havia outros e talvez mais entusiasmantes. Foi ele que ensinou com outros
é certo, que o mundo se iniciava um pouco mais longe, nos caminhos esquecidos
das serras. Foi ele que nos deu a confiança, na amplitude de montanhas
esquecidas que o que mais desejávamos era poder ser longe, para correr em
aventuras de caminho quase tão bem sucedidas como as de Astérix. Obrigado
Uderzo!
(Na
memória de Albert Uderzo e da sua criação com Goscinny da figura de Astérix).