terça-feira, 24 de março de 2020

Uderzo (Im Memoriam)

Nesses dias o mundo era uma rua. Dela viam-se os campos de pessegueiros a adornar pela encosta sul. Os muros eram linhas de água a esconder o último lugar, de onde o rebanho de cabras se alimentava da visão da serra. 

Nesses dias, as tardes escondidas das horas eram uma visão da encosta de pinheiros e os eternos segundos de dias esquecidos eram preenchidos de aventuras. E quando me lembro disso vejo nesse pedaço antigo uma memória de dias antigos e apesar de olhar ainda para essas páginas, as cores e os espaços já lá não estão. 

Desses dias orgânicos e de minimalismo técnico, ele foi um dos heróis de tantos sonhos, desejos que terminavam em surpresas que não se sabia explicar. Herói pela sua figura fora do vulgar, pela troca de palavras, pelo arranjo místico de derrotar um exército de convencidos a quererem disciplinar a terra inteira com a sua pax romana feita de sinais e deuses esquisitos. 

Herói por essa capacidade que só os livros quase concedem, a de vencer os mais poderosos, ou os mais convencidos. Herói por essa capacidade deslumbrante que só ele parecia conseguir. Uma aldeia de resistentes com a pura magia de se redimirem face a um perigo maior que eles, e sempre com a maior graça. Um herói que soube criar um espelho com uma ideia de país. Sim, a França. 

Na verdade, Astérix é esse orgulho gaulês de se impor ao convencimento e ao poder de qualquer coisa que não seja gaulês. Astérix foi talvez o primeiro herói a dizer-nos que desse mundo que era uma rua de flores e pedras, havia outros e talvez mais entusiasmantes. Foi ele que ensinou com outros é certo, que o mundo se iniciava um pouco mais longe, nos caminhos esquecidos das serras. Foi ele que nos deu a confiança, na amplitude de montanhas esquecidas que o que mais desejávamos era poder ser longe, para correr em aventuras de caminho quase tão bem sucedidas como as de Astérix. Obrigado Uderzo!

(Na memória de Albert Uderzo e da sua criação com Goscinny da figura de Astérix).

segunda-feira, 23 de março de 2020

do capuchinho vermelho


A figura do lobo é uma das mais ricas do património cultural que permite estabelecer diversas ligações às tradições orais, à história social, à mitologia e por isso, também às lendas. A literatura, o cinema, a geografia cultural remete-nos em múltiplos casos para essa figura que tem muito de encantador e enigmático. 

Desde a mitologia nórdica, às histórias nas paisagens de montanha, no norte da Península Ibérica, ou na cultura celta, ao próprio sentido de ligação entre o nascimento da civilização e o lobo, como no caso de Roma é muito significativo. Poucos animais representaram essa ideia de ligação evidente ao natural, de um misticismo feito de liberdade e de reconhecimento das faculdades que a alcateia comporta na sua dinâmica de grupo. Mas, mesmo assim a figura do lobo tem sido ligada a algo que vem das trevas, que se corporiza numa ameaça, um reino de negro a que se chamou “a hora do lobo”, essa hora intranquila entre o início da noite e o começo da aurora.

A literatura deu-lhe um registo que se tornaria muito conhecido por diferentes gerações, com adaptações diversas, o conto, “O capuchinho vermelho”. A história é simples. A mãe de uma criança dá-lhe um recado, a de levar alguns alimentos à sua avô que vive na floresta, pelo que ela deve seguir esse caminho para evitar qualquer perigo. A criança depara-se com um lobo e, dependendo das versões, o mesmo ora come a menina e a avô, ou consegue ser eliminado e a criança compreende o sentido da prudência. 

A versão de Perrault não tem um final feliz e, de um certo modo a sua narrativa enquadra-se nas necessidades da corte francesa do século XVII. Na versão dos irmãos Grimm a criança salva-se, pela antecipação das acções da avó e da criança. Nas diversas versões algumas salientam os conselhos dados pela mãe e assim introduzem as questões morais; outros numa ideia de “igualdade” de circunstâncias não propõem a punição do lobo; outros já no século XX assumem a morte da avô, como forma de regular o sentido de avaliação da angústia e da solidão. 

Dúvida e engano foram igualmente trabalhadas por Ingmar Bergman, na sua “A hora do lobo”, em que se propõe analisar as angústias individuais face ao inesperado, ao incompreendido. A história do capuchinho vermelho é assim uma área da literatura que se presta a muitas possibilidades criativas. Mas, na verdade o que nos dizem os elementos da personagem, como a sua capa, ou o seu discurso?

Imagem: Copyright - Kate Miles

domingo, 22 de março de 2020

diário de um urso

Uma ideia para estes dias longe do real e do mundo lá fora. As atividades de um pequeno urso, no seu diário. Uma ideia de Nazaré Sousa. (Via Hipótamos na lua).

terça-feira, 10 de março de 2020

videopoemas


Uma videopoema para nos animar e sonhar com o resplandecente natural, o nosso melhor sonho:


5.ºFB - EBI de Forjães (Projeto Lugar do real)

quinta-feira, 5 de março de 2020

Da literatura


Educação Literária e formas de expressão, a literatura e a música. Um autor marcante da cultura alternativa e nele se podia tentar fazer essa ligação entre território, viagem, cultura e poesia, tudo isso que Leonard Cohen condensou em tantos poemas de desejo, tristeza e solidão, como uma aparição de si próprio. A relação com as histórias do judaísmo, a sua influência da poesia de Lorca, ou dos textos bíblicos permitem essa ligação.

"(...)E Jesus era um marinheiro
Quando ele andou sobre as águas
E ele passou um longo tempo assistindo
De sua solitária torre de madeira
E quando teve a certeza que
Apenas os homens afogados podiam enxergá-lo
Ele disse: "Então todos os homens serão marinheiros
Até o que o mar os liberte"


terça-feira, 3 de março de 2020

Encontros...



Às vezes encontramos projetos únicos, maravilhosos, feitos por pessoas encantadoras. Trata-se de Pedro Pestana e do seu projeto as histórias do João Balão. Uma qualidade poética e uma musicalidade que nos cativa. Foi uma das boas surpresas da semana da leitura. Uma maravilha, como um cristal numa ilha distante que se aproxima de nós por motivos que nem sempre compreendemos, mas que são de encantamento, esse de que é feita a infância.

https://www.podomatic.com/podcasts/luis-ls-campos/episodes/2020-03-03T13_10_57-08_00

segunda-feira, 2 de março de 2020

Da literatura


Na literatura muitas vezes consegue-se aprender algo transformador, aquilo que Álvaro Magalhães expressa bem no seu livro de homenagem a Manuel António Pina é essa abertura da palavra acima dos horizontes da classificação das coisas. Puff ilustra bem essa valorização pelas coisas pequenas,as pequenas imperfeições do dia e delas sair com a evidência que elas têm em si...

"A meio de outra manhã de outro dia qualquer, aí por volta das onze horas, o Puff apareceu sem ter entrado no escritório do senhor Pina.
«Viva! O que estás a fazer?»
«Estou a escrever um livro para a Sara e para a Ana. O Inventão.»
«Ah e é um livro para crianças, então?»
«Quando for lido por uma criança é um livro para crianças. Quando for lido por um adulto é um livro para adultos. Os livros não são “para”, os livros são.
(Álvaro Magalhães, O Senhor Pina, Assírio & Alvim)
Imagem: Copyright: Booklover.tumblr.com