A
figura do lobo é uma das mais ricas do património cultural que permite
estabelecer diversas ligações às tradições orais, à história social, à
mitologia e por isso, também às lendas. A literatura, o cinema, a geografia
cultural remete-nos em múltiplos casos para essa figura que tem muito de
encantador e enigmático.
Desde a mitologia nórdica, às histórias nas paisagens
de montanha, no norte da Península Ibérica, ou na cultura celta, ao próprio
sentido de ligação entre o nascimento da civilização e o lobo, como no caso de
Roma é muito significativo. Poucos animais representaram essa ideia de ligação
evidente ao natural, de um misticismo feito de liberdade e de reconhecimento
das faculdades que a alcateia comporta na sua dinâmica de grupo. Mas, mesmo
assim a figura do lobo tem sido ligada a algo que vem das trevas, que se
corporiza numa ameaça, um reino de negro a que se chamou “a hora do lobo”, essa
hora intranquila entre o início da noite e o começo da aurora.
A
literatura deu-lhe um registo que se tornaria muito conhecido por diferentes
gerações, com adaptações diversas, o conto, “O capuchinho vermelho”. A história
é simples. A mãe de uma criança dá-lhe um recado, a de levar alguns alimentos à
sua avô que vive na floresta, pelo que ela deve seguir esse caminho para evitar
qualquer perigo. A criança depara-se com um lobo e, dependendo das versões, o
mesmo ora come a menina e a avô, ou consegue ser eliminado e a criança
compreende o sentido da prudência.
A versão de Perrault não tem um final feliz
e, de um certo modo a sua narrativa enquadra-se nas necessidades da corte
francesa do século XVII. Na versão dos irmãos Grimm a criança salva-se, pela
antecipação das acções da avó e da criança. Nas diversas versões algumas
salientam os conselhos dados pela mãe e assim introduzem as questões morais;
outros numa ideia de “igualdade” de circunstâncias não propõem a punição do
lobo; outros já no século XX assumem a morte da avô, como forma de regular o
sentido de avaliação da angústia e da solidão.
Dúvida e engano foram igualmente
trabalhadas por Ingmar Bergman, na sua “A hora do lobo”, em que se propõe
analisar as angústias individuais face ao inesperado, ao incompreendido. A
história do capuchinho vermelho é assim uma área da literatura que se presta a
muitas possibilidades criativas. Mas, na verdade o que nos dizem os elementos
da personagem, como a sua capa, ou o seu discurso?
Imagem:
Copyright - Kate Miles
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