segunda-feira, 23 de março de 2020

do capuchinho vermelho


A figura do lobo é uma das mais ricas do património cultural que permite estabelecer diversas ligações às tradições orais, à história social, à mitologia e por isso, também às lendas. A literatura, o cinema, a geografia cultural remete-nos em múltiplos casos para essa figura que tem muito de encantador e enigmático. 

Desde a mitologia nórdica, às histórias nas paisagens de montanha, no norte da Península Ibérica, ou na cultura celta, ao próprio sentido de ligação entre o nascimento da civilização e o lobo, como no caso de Roma é muito significativo. Poucos animais representaram essa ideia de ligação evidente ao natural, de um misticismo feito de liberdade e de reconhecimento das faculdades que a alcateia comporta na sua dinâmica de grupo. Mas, mesmo assim a figura do lobo tem sido ligada a algo que vem das trevas, que se corporiza numa ameaça, um reino de negro a que se chamou “a hora do lobo”, essa hora intranquila entre o início da noite e o começo da aurora.

A literatura deu-lhe um registo que se tornaria muito conhecido por diferentes gerações, com adaptações diversas, o conto, “O capuchinho vermelho”. A história é simples. A mãe de uma criança dá-lhe um recado, a de levar alguns alimentos à sua avô que vive na floresta, pelo que ela deve seguir esse caminho para evitar qualquer perigo. A criança depara-se com um lobo e, dependendo das versões, o mesmo ora come a menina e a avô, ou consegue ser eliminado e a criança compreende o sentido da prudência. 

A versão de Perrault não tem um final feliz e, de um certo modo a sua narrativa enquadra-se nas necessidades da corte francesa do século XVII. Na versão dos irmãos Grimm a criança salva-se, pela antecipação das acções da avó e da criança. Nas diversas versões algumas salientam os conselhos dados pela mãe e assim introduzem as questões morais; outros numa ideia de “igualdade” de circunstâncias não propõem a punição do lobo; outros já no século XX assumem a morte da avô, como forma de regular o sentido de avaliação da angústia e da solidão. 

Dúvida e engano foram igualmente trabalhadas por Ingmar Bergman, na sua “A hora do lobo”, em que se propõe analisar as angústias individuais face ao inesperado, ao incompreendido. A história do capuchinho vermelho é assim uma área da literatura que se presta a muitas possibilidades criativas. Mas, na verdade o que nos dizem os elementos da personagem, como a sua capa, ou o seu discurso?

Imagem: Copyright - Kate Miles

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