terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

Lugares e gestos (I)


“Achou que não podia ser mais feliz quando, no decurso do seu passeio sem rumo, de súbito, se encontrou junto à margem de um rio caudaloso. (…) O Toupeira estava encantado, arrebatado, fascinado. Trotou ao longo do rio; (…) finalmente quando se sentiu cansado, sentou-se na margem e o rio continuou a conversar com ele, num cortejo tagarela das melhores histórias do mundo, vindas do coração da terra para, por fim, serem contadas ao mar insaciável”. (1)

Os lugares e os gestos. Às vezes descobrimos sítios depois de descobrirmos palavras que se moldaram nesses lugares, que nasceram para qualquer coisa que já existia, ou que se imaginava. Edimburgo é uma dessas cidades. Grande parte da história de Harry Potter, de alguns dos seus nomes, de uma boa parte do seu imaginário nasceu por aqui, na Rua do castelo de Edimburgo, dentro do Old Town, hoje materializada numa livraria que é um repositório das figuras de Harry Potter. 

Trata-se do Museum Contex que fica em Victoria Street. Na Old town nasceu outra figura literária não tão famosa, mas igualmente importante para a literatura Infantil e Juvenil. Trata-se de Kenneth Ghahame que nos deixou um livro marcante que é mais do que uma história de animais. O Vento nos salgueiros é a história de cinco animais, o Toupeira, o Rato, o Sapo, o Texugo e o Lontra que vivem na margem de um rio. História imaginada para o seu filho foi a construção de uma narrativa para o entreter em longas noites frias da Escócia. Livro que coloca os animais a pensar sobre as aventuras que podem ter no grande bosque, eles que têm uma vida tranquila na margem do rio. 

Livro de algum modo colocava em reflexão as novas ideias do início do século e como elas ameaçavam a sociedade vitoriana. O interessante nisto é que os imaginários são feitos de locais que escolhemos ou visitamos por qualquer razão e depois vemos neles as palavras, as cores e as formas que antes de tudo os livros nos deram. Os lugares e os gestos são assim formas de habitar a literatura. Lembrei-me disto não por qualquer efemeridade, mas por ser uma cidade onde vou regularmente. Uma cidade a visitar, pela literatura e pela cultura. (Tem um festival literário durante o mês de agosto).

(1) – O vento nos salgueiros / Kenneth Grahame : il. E. H. Shepard. Lisboa: Tinta da China, 2016.

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