quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Figuras imaginárias...

 É uma menina! - respondeu Felge, todo entusiasmado, pondo-se em frente de Alice para a apresentar, e estendendo ambas as mãos para ela, numa atitude muito anglo-saxónica.
- Encontrámo-la hoje. É a sério e muito verídica.
   - Sempre pensei que elas fossem monstros fabulosos!
- exclamou o Unicórnio. - Está viva?
   - Pode falar - disse Felge, solenemente.
   O Unicórnio olhou incrédulo para Alice, e pediu-lhe:
   - Fala menina.
   Alice não pôde evitar um sorriso, ao dizer:
   - Sabes, eu também pensava que os Unicórnios eram monstros fabulosos! Nunca tinha visto um vivo!
   - Bem, agora já nos vimos um ao outro - constatou o Unicórnio. - Se acreditares em mim, eu acredito em ti. De acordo? (1)

   Ken Robinson contava muitas vezes nas suas palestras sobre criatividade e sistema educativo uma história deliciosa que tinha acontecido numa escola de primeiro ciclo de um estado americano da costa leste. Uma menina que se costumava envolver pouco nas atividades da educadora e que com alguma frequência se distraia, estava num dado dia envolvida na atividade proposta. A educadora curiosa pela mudança foi ter com ela e perguntou-lhe:
   - o que estás a desenhar?
   E a criança respondeu:
   - estou a desenhar o rosto de Deus.
   Ao que a educadora respondeu:
   - mas nunca viu o rosto de Deus. Ninguém sabe como é Deus. Ao que a criança respondeu:
   - daqui a um minuto todos saberão. 

   É uma história incrível sobre essa capacidade de ver cada desafio e olhar cada possibilidade como um real capaz de ser vivido, ensaiado ou simplesmente imaginado. A literatura, quando pensamos nela lembramos os seus autores. Pensamos em Sophia, em Mia Couto, em Eça de Queirós e em muitos outros. Mas, na verdade o que a literatura mais nos concede, aquilo que ela eterniza são as personagens das histórias, os grandes aventureiros, como Peter Pan, Alice, Harry Potter,  Huckleberry Finn ou Tintim. Eles são os grandes viajantes da aventura, essa que se reinicia sempre e de modo diferente em cada um. É por demais evidente que Alice está mais presente que Lewis Carroll e até Flaubert lamentava-se tantas vezes que ele não sobreviviria na memória e, neste caso na vida de cada um, como os leitores de Madame Bovary.

(1) - Alice do outro lado do espelho / Lewis Carroll : trad. Vera Azancot ; il. John Tenniel. - Mem-Martins : Publicações Europa-América, 2010. - 153, [3] p. : il. ; 22cm. - (Clássicos). Tít. orig.: Through the Looking Glass. - ISBN 978-972-1-06074-6

Imagem: Copyright - Robert Dunn

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